Investimentos não precificados, como Convertible Notes (ou notas conversíveis) e SAFEs (simple agreement for future equity ou acordo simples para ações futuras) do Y Combinator assumiram uma importância crescente como estrutura de financiamento para startups em fase inicial, seja por fundos ou investidores anjo. Neste artigo, descrevemos as diferenças entre uma rodada precificada e uma rodada não precificada e avaliamos os dois tipos de investimentos não precificados mais comuns - notas conversíveis e SAFEs.
Tipos de Rodadas de Investimento: Não precificada vs. Precificada
Antes de aprofundar em Convertible Notes e SAFEs, vale explicar que esses investimentos são considerados rodadas não-precificadas e são geralmente usadas por investidores Anjos e fundos early/seed stage.
A diferença fundamental entre um investimento não precificado, como Convertible Notes (ou notas conversíveis), e uma rodada precificada, é que, no primeiro caso, não há definição do valor da empresa no momento do investimento. Por exemplo, em uma rodada precificada (o mais comum em Venture Capital), se você estiver captando R$2M em troca de 15% de sus startup, isso sugere que o valuation¹ post-money da empresa é de R$13.3M (R$2M/15%). Em resumo, você já está dando um preço à empresa e oferecendo um pedaço claro dela.
Já para as rodadas não precificadas, o investimento de R$2M não oferece às investidoras um pedaço (percentual de ownership) imediatamente. Ao invés, os R$2M só são convertidos em % de ownership (ou equity) para as investidoras quando a empresa for precificada na próxima rodada de investimento, mas geralmente oferecendo um desconto no preço por ação (geralmente de 20%) para compensar o risco tomado pelas investidoras que investiram sem um valor definido.
Em resumo, o financiamento atual está acontecendo sem necessariamente ter sido definido um preço ou valuation exato para a empresa, portanto, trata-se de uma forma não precificada de fundraising.
As vantagens de rodadas não precificadas são:
Agilidade: founders recebem o investimento, mas a parte mais complexa - negociação de termos e valuation - fica para a próxima rodada.
Economia com despesas jurídicas: para investidores, evita os altos custos e o tempo gasto com a diligência de negócios early-stage.
Precificação adequada: postergar a precificação permite que a empresa ganhe tração e defina o valor da empresa com mais embasamento nos seus fundamentos.
O maior trade-off, no entanto, é que tanto empreendedores como investidores não saberão com precisão o quanto a empresa está sendo diluída no momento do round. Antes de comparar Convertible Notes e SAFES, vamos explicar o que é e como cada um funciona.
Convertible Note (ou nota conversível)
Definição
É um tipo de dívida que tem o direito de se converter em equity (participação na empresa) quando a empresa atinge um marco acordado (geralmente um tamanho mínimo de rodada de investimento). Isso significa que, ao invés de pagar a dívida ao investidor em um futuro próximo, a empresa oferece uma participação na empresa (via ações preferenciais) equivalente ao valor original da dívida somado aos juros acumulados no período. É estruturado de forma semelhante a um empréstimo sem garantia.
Mecânica
Essa dívida se converte automaticamente em ações preferenciais no fechamento de uma rodada de financiamento qualificada, como uma rodada de financiamento precificada ou Series A. Se a empresa não fizer uma rodada qualificada antes de atingir a data de vencimento (normalmente de 24 meses), os empreendedores tem duas opções: i) pagar de volta o valor da dívida com juros, ou ii) converter a dívida (geralmente com juros) em ações preferenciais da empresa. Na maioria dos casos, a última opção é a padrão, já que devolver o valor do principal com juros pode ser difícil para as startups em estágio inicial, que não possuem muita liquidez.
Desconto² e Valuation Cap³
A investidora de Seed aposta na empresa em um estágio anterior e assumindo maior risco que o investidor Series A; portanto, não é justo que ela converta a dívida em ações na empresa usando o mesmo valor por ação do novo investidor. Para compensar a investidora pelo maior risco assumido, ela recebe um desconto no valor da ação da empresa (geralmente de 20%). Ainda assim, founders estarão incentivados a buscar um valuation alto para diminuir sua diluição, o que pode prejudicar a investidora de Seed que apostou na empresa desde o início. O mecanismo usado para resolver esse conflito é uma “dívida conversível com um cap (teto)”, o que significa que, embora o instrumento de financiamento ainda seja uma dívida quando for convertido, ele tem um preço máximo — um “teto”. Basicamente, ele define o preço máximo, e não o preço real. Desta forma, o modelo mais comum de Convertible Note assume a conversão da dívida no menor preço por ação entre (1) Desconto no valor da ação na rodada precificada (geralmente o Series A) ou (2) Valuation Cap.
SAFE (Simple Agreements for Future Equity)
Definição
É uma garantia de compra de ações em uma rodada de preços posterior e, portanto, é basicamente um contrato para uma compra futura. Founders assinam o SAFE com os investidores, recebem o dinheiro e o investidor então obtém ações no futuro quando eles convertem no Series A.
Mecânica
Por funcionar como um contrato ou garantia, o SAFE não possui taxa de juros, mantendo sua simplicidade. O SAFE pode ser convertido em qualquer rodada precificada, independente de seu tamanho e também pode oferecer um desconto na conversão e um ‘valuation cap’. Muitos argumentaram que o SAFE é facilmente manipulado porque, sem uma quantia mínima exigida para acionar a conversão, um founder poderia simplesmente levantar um investimento muito baixo na próxima rodada e acionar a conversão.
Os diferentes SAFEs
A primeira versão do SAFE foi criada em 2013 pela aceleradora do Vale do Silício, Y-Combinator (“YC”), como um novo instrumento financeiro que simplifica o investimento Seed. O objetivo é ser um documento curto e simples. Nas palavras de Carolynn Levy, a sócia do YC e ex-advogada da Wilson Sonsini que criou o SAFE: “O SAFE é simplemente um Convertible Note sem as garantidas no caso de inadimplência, sem juros e sem data de vencimento. É um título conversível com uma sigla criativa.”
Desde seu lançamento, o SAFE foi muito utilizado como uma ponte entre rodadas não-precificadas e as precificadas. Incentivados por investidores “spray and pray”, muitos founders continuaram levantando mais e mais SAFEs, adiando rodadas precificadas para o futuro distante. Isso gerou um problema para os founders que não tinham clareza do que essas rodadas representavam e do quanto estavam sendo diluídos. Para resolver isso, o YC decidiu lançar em 2018 uma nova estrutura SAFE, chamada ‘Post Money SAFE’.
A mudança mais significativa no novo SAFE é que agora a participação de um investidor do SAFE será definida após (post) a conversão dos demais SAFEs, mas antes de uma rodada precificada (e aumento no ESOP⁴). Isso dá maior clareza da diluição de cada rodada de SAFE, já que o post-money valuation é acordado no momento da assinatura.
O YC disponibiliza as diferentes versões do post-money SAFE em seu site (com e sem Desconto e/ou Cap). Para visualizá-las, basta acessar este link.
Principais Diferenças entre Convertible Note e SAFE
Existem muitas semelhanças entre Convertible Notes e SAFEs, sendo a principal delas o fato de que ambos são mais rápidos e mais baratos de executar do que uma rodada precificada. Além disso, os dois podem incluir termos similares, como desconto, valuation cap, MFN (“most favorite nation”) e direitos pro-rata.
Por outro lado, é importante destacar as principais diferenças entre as duas estruturas de investimento. No geral, o SAFE é mais curto e difere em relação a alguns aspectos chave como data de maturação, taxa de juros e conversão para equity:
Dívida vs. Equity (Garantia de Ações)
SAFE é considerado um instrumento de equity, enquanto que o Convertible Note é considerado um instrumento de dívida. Duas implicações principais decorrem dessa diferença:
Data de Maturação: o SAFE não é uma dívida e, portanto, não possui uma data de maturação como o convertible note. No caso de uma empresa que não fez uma rodada de investimento precificada e atingiu a data de maturação, o Convertible Note permite algumas opções: i) converter automaticamente para ações na empresa, ii) estender a dívida ou iii) forçar a devolução da dívida (o que pode gerar um problema se a empresa não tiver liquidez para pagar a dívida e até aumentar o risco de insolvência).
Taxa de Juros: o SAFE não incorre em taxa de juros, enquanto que o convertible note incorre juros entre 5–8% por ano.
Cálculo do Liquidation Preference
No caso do Convertible Note, o mais comum é emitir ações com os mesmos termos que o investidor líder da rodada subsequente (geralmente o Series A). Um efeito não intencional disso é que o Convertible Note terá liquidation preference (preferência de liquidação)⁵ equivalente ao valor do investimento no momento do Séries A, e não ao seu valor de investimento original. Como a conversão do Note acontece com um desconto ou cap, o investidor receberá um liquidation preference favorecido e acima de 1x o investimento original (por exemplo, no caso de 20% de desconto, o liquidation preference pode ser 1.25x; a diferença pode ser maior no caso de conversão com o cap).
No caso so SAFE, isso não acontece, já que se cria uma nova classe de ações com todos os direitos das ações do Series A, com exceção do liquidation preference, que terá o mesmo valor original do investimento. Essa diferença é insignificante para investimentos pequenos, mas pode ter grandes impactos em rodadas grandes em que o cap fica logo abaixo do preço do Series A.
Conversão para ações
O SAFE só permite a conversão em capital na próxima rodada de financiamento. Ou seja, se você decidiu optar pelo SAFE durante a rodada Seed, a conversão em opção de capital só está disponível na rodada seguinte (independentemente do tamanho). Portanto, o SAFE tem eventos mais limitados de conversão. Para as notas conversíveis, além de permitir a conversão dentro do prazo de vencimento, tem a opção de conversão na rodada atual e na rodada futura. Além disso, uma conversão ocorreria quando o valor mínimo (refletido no contrato) fosse atingido.
Evento de inadimplência / default
Os SAFEs funcionam como contratos de garantia de conversão em ações, mas não são considerados dívida. Assim, em um evento de solvência da empresa, o investidor de SAFE não poderá exigir o recebimento do valor investido, como no caso do convertible note.
Conclusão
Agora que os conceitos de Convertible Note e SAFE estão claros, finalizamos este artigo com dois pontos muito importantes de entender:
Em primeiro lugar, apesar de serem mecanismos simples e rápidos, cada emissão de Convertible Note ou SAFE implica em uma diluição para a empresa e os founders. Recomenda-se que founder sejam pro-ativas e façam o cap table pro-forma de cada nota ou SAFE emitidos antes mesmo de aceitar o investimento (se necessário, com a ajuda de seus advogados). Isso ajudará a visualizar a diluição e tomar decisões acertadas sobre a necessidade e termos de cada rodada.
Em segundo lugar, é importante que founders entendam quando escolher cada mecanismo. O SAFE tem ganhado popularidade no Silicon Valley (nem tanto fora de lá), principalmente por ser associado a uma maior simplicidade. No entanto, o Convertible Note foi bastante simplificado ao longo do tempo e, pode fazer mais sentido para founders que leram este artigo e entendem seu mecanismo no detalhe. Algumas vantagens do Note são:
Alinhamento de expectativas investidora/ investida: por contar com a taxa de juros e a data de maturação, o Convertible Note mantém os incentivos alinhados entre as partes; ambas têm interesse que a empresa evolua e atinja seus objetivos para depois negociar uma rodada maior, com termos econômicos e de controle detalhados. A última coisa que uma founder quer e ter que explicar para investidores porque 2–3 anos nao sao suficientes para provar os resultados iniciais de seu negócio. Esta pode ser uma má sinalização para investidores;
Evitam fricções com investidores: nem todos se sentem confortáveis com a estrutura de SAFE, já que esta não oferece nenhuma ‘garantia’ para investidores de que empreendedores estão com a mesma urgência para crescer o negócio. Assim, ao optar por um convertible note, a founder minimiza o risco de deixar algum investidor de fora por não concordar com a mecânica de SAFE.
O Post-Money SAFE acaba tendo o efeito similar a uma rodada precificada: a recente alteração do pre para o post-money SAFE do YC aconteceu para evitar que founders tenham maior clareza da diluição quando aceitam cada investimento. No entanto, isso torna os SAFEs menos amigáveis à empresa do ponto de vista econômico, já que precifica o valuation da empresa logo cedo, não permitindo a flexibilidade que o convertible note oferece.
Antes de fechar qualquer rodada de investimento, entenda bem os conceitos, as cláusulas e o impacto de cada estrutura para o seu negócio. Esperamos que este artigo te ajude nessa jornada e, caso tenha qualquer sugestão de tópicos, escreva para contact@maya.capital.
Glossário
Post-Money Valuation: O valuation se refere ao quanto a sua empresa vale, sendo o post-money valuation o valor da empresa imediatamente após algum investimento. Post-money valuation = Pre-Money + Investimento
Desconto: um desconto em um Note ou SAFE estabelece uma redução percentual no qual o convertible note será convertido em relação ao preço da ação na próxima rodada.
Valuation Cap: é uma forma de recompensar os investidores seed stage por assumirem os riscos iniciais. O valuation cap estabelece o preço máximo que seu convertible será convertido em equity. A conversão das rodadas não precificadas geralmente acontecem no menor preço por ação entre (1) Desconto no valor da ação da rodada precificada ou (2) Valuation Cap.
ESOP (Employee Stock Ownership Plan): São ações reservadas com o propósito de “recompensar” os funcionários da startup.
Preferência de Liquidação: Investidores que detém as chamadas ações preferenciais possuem um direito chamado preferência de liquidação. Resumidamente, é o direito de recuperarem seu investimento antes dos fundadores e colaboradores (os quais detém ações ordinárias), caso ocorra um evento de liquidez.
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